terça-feira, 20 de julho de 2010

Dois Mestres. Três gerações.



Estive com Moacyr Luz em Campinas, no Tonico’s Boteco, o principal ponto de referência do samba por lá. Esta foto, inclusive, foi tirada no dia, em 2002.

Assisti ao seu show e depois conversamos um pouco. Nada muito sério.

O mesmo encontro se repetiu em 2005, no mesmo bar.

Dessa vez, porém, acabamos retornando ao Rio juntos e foram 6 horas de viagem. Aí sim, muita conversa, muitas histórias e eu fui conhecendo melhor o artista que muitas vezes eu vi tocar no Bip-Bip, aqui em Copacabana, de quem eu já tinha alguns CDs, mas pouco conhecia de sua trajetória.

Estava adentrando o maravilhoso mundo musical de um dos mais respeitados sambistas da atualidade.

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Curiosidade:

Ainda em Campinas, na hora do almoço, na casa do Paulo Henrique (dono do Tonico's Boteco), deu tempo do Moacyr empunhar seu violão para uma mini tocata, de meia hora, no máximo.

Ele cantou músicas suas e pediu, sem cerimônias:

"Fregonesi, canta um samba aí."

E eu tive a honra de cantar “O Mundo é um Moinho” (Cartola) ao som do violão do Moa, num momento em que ele estava muitíssimo inspirado, solando lindamente, além dos acordes da canção.

Estávamos entre amigos. E sem percussões.

Daí, caiu a minha ficha: o violão tocado por Moacyr Luz é mesmo mágico.

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Voltando (pro Rio).

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A viagem terminou, nos despedimos e eu disse: “Moacyr, estou em vias de gravar um disco e gostaria de te mandar umas letras para você musicar, sem compromisso, SE você gostar.”

Ele foi meio reticente: “Tá, Fregonesi, manda sim. Eu ando meio enrolado com muitos shows e projetos, tem muitas letras do Aldir (Blanc), do Luiz Carlos (da Vila), do Paulinho (César Pinheiro), do Hermínio (Bello de Carvalho) que estão comigo há meses e eu ainda nem fiz nada. Mas manda sim...”

Mandei três.

Ele escolheu uma delas, “É Verdade”, e fez a melodia sem alterar nem uma vírgula da minha letra original. Coisa de Mestre.

Aqui está a gravação que entrou no meu disco “Festa das Manhãs”.
(O início com o Moacyr cantando na fita k-7 NÃO ESTÁ NO CD).



É VERDADE
(Moacyr Luz / Leandro Fregonesi)

É verdade
Você vai deixar saudade
No meu peito
Que é metade encantamento
Metade dor

Seu amor
Não passou de falsidade
Foi talvez contra a vontade
Bem ao gosto da ilusão

Você errou
Ao dizer que me queria
Tentação e covardia
Fui fantoche em tuas mãos

E agora que acabou sua magia
Acabou minha alegria
Com o fim da união

A cabeça te procura
Vai às tontas
Nesse imenso faz-de-conta
Tanta farsa a troco de emoção

Você partiu
Nem sei dizer pra onde
Se escondeu lá muito longe
Sem notícia, sem recado, sem saber
Que as batidas do meu peito
Que eram todas por você
Hoje batem sem saber porquê

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Convidei MONARCO para dividir comigo esta música no meu CD e ele aceitou prontamente, com a generosidade que só quem é das antigas sabe exercer.

E o que falar sobre Monarco?

Qualquer texto meu será pequeno perto da sua estatura musical. Mas vou tentar.


Foto do celular, 2010.

Monarco é O CARA. É a Enciclopédia Viva do Samba.

Sabe tudo. Canta tudo. Lembra de cór dezenas de sambas que ninguém jamais se lembraria que existem, graças à sua ótima memória. Alguns desses sambas, acho que nem os próprios compositores guardaram registro, à época, posto que nunca foram gravados e muitos dos compositores mais antigos até já faleceram.

Monarco conheceu e conviveu com praticamente TODOS os personagens mais importantes do Samba. Conta histórias que deveriam ser mais ouvidas e valorizadas.

E faz uma coisa rara: divide com a gente, da nova geração, a sua experiência. E o faz de forma tão natural que, num simples bate papo, Monarco e Samba passam a ser uma coisa só.

Dedicou toda a sua vida à Portela. Aprendeu com Paulo e com Natal.

Conta que sofreu um bocado. De muitas maneiras.

E fica fácil perceber que venceu na vida pelo talento.

Tem, além do seu acervo autoral de grandes sucessos gravados por outros artistas, o maravilhoso legado de Intérprete, seja solo ou com a Velha Guarda da Portela, com seu timbre de voz imponente.

Monarco é o pássaro que vai na frente.

E, acima de tudo, é um homem de alma humilde, um artista sem chatices e sem aquela vaidade de se mostrar superior. Talentoso como poucos. Compositor hábil e popular.

Tive a sorte de já ter feito alguns shows com ele e posso afirmar:

Monarco não canta. Ele dá aula de Samba.

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Quando saiu o meu disco "Festa das Manhãs" com a música "É verdade", o jornalista Paulo Márcio Vaz, do jornal O Fluminense, de Niterói, escreveu sobre mim, a partir do que ouviu no CD:

"O samba pode se gabar de ter um compositor que garante a qualidade do gênero por, pelo menos, mais uma geração."

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Então, se é assim, em "É Verdade" temos: dois mestres e três gerações do mesmo samba.

4 comentários:

  1. Leandro,
    alguns tem o dom da palavra. Outros o prazer de contemplar músicas e textos muito bem escritos. Estou no segundo grupo.

    Sempre foi um fã das suas músicas, composições e de sua presença marcante em um palco. Agora me descubro também um grande admirador dos seus textos, de leitura fácil e simplesmente deliciosos. Meus parabéns!

    Um beijo grande,

    Lula

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  2. Fala, Lula!

    Seja sempre bem vindo.

    Este espaço, apesar de feito e escrito por mim, é para compartilharmos histórias juntos.

    Obrigado pelo seu comentário.

    Espero revê-lo mais vezes por aqui.

    bj

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  3. Leandro realmente é isso ai...a FDP da Solidão é amiga unha e carne da Depressão...XÔOO
    As perdas nos dão a sensação de uma Solidão profunda. E é perder irmã aos 26 gravida, um irmão aos 28 de acidente, perder mãe e avó pela tristeza de terem perdidos filhos e netos..realmente é F..., mas vida que segue.
    E por isso essa música me deixou assim bem emotiva..triste mas linda demais..Parabéns meu anjo Sucesso para você
    Katia Henriques

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  4. Mto bom Leandro...continua em contato com esses feras que fazem o samba de verdade...será uma grande escola pra vc...
    Sou do RJ mais atualmente moro em Paulinía ao ladinho de Campinas...mais sempre q estou no RJ vou ao samba do Moacyr, no Rena...É um samba q da gosto de curtir...Tem uma cadência maravilhosa, ninguém maltrata os instrumentos, pessoas ilustre, boa comida e etc...poderia ficar escrevendo sem parar sobre esse samba...
    Eu tbm adoro o Moacyr...
    Qto a Monarco, dispensa mesmo os comentários...ele realmente é uma pessoa belissíma...Fui a uma feijuca na Portela e ele deu show...no final, conversou com todos, sem cerimônia...
    "Viva o samba Leandro"

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